"Foi como se José Saramago tivesse morrido duas vezes"

Zeferino Coelho, responsável da Editorial Caminho, que sempre editou a obra de José Saramago, disse à agência Lusa que o fim do acordo com as herdeiras do Nobel da Literatura é "a notícia mais triste" da sua vida profissional.
Publicado a
Atualizado a

"Se me perguntassem o que fazia, teria a tendência para dizer que 'sou editor de José Saramago'", afirmou à Lusa Zeferino Coelho, questionado sobre as causas de não se dar continuidade à publicação da obra do Nobel português, sob a chancela da Editorial Caminho.

O responsável escusou-se a adiantar quaisquer razões para o termo da parceria, limitando-se a afirmar que "são coisas que acontecem".

"Não poderei ir mais longe do que está no comunicado, não se chegou a acordo para a renovação do contrato noutras condições, foi isso", disse.

No comunicado enviado à Lusa, a Editorial Caminho dá conta de que "não foi possível chegar a acordo" com as herdeiras - a viúva e a filha do escritor, respetivamente Pilar del Río e Violante Saramago Matos -, pelo que "cessa, nesta data, a parceria iniciada há 35 anos, com a publicação de A Noite (1979)".

O comunicado é assinado pelas herdeiras e também por Zeferino Coelho e por Tiago Morais Sarmento, da editora.

José Saramago é autor de mais de 30 títulos, entre os quais os romances O ano da morte de Ricardo Reis e Memorial do Convento, incluídos nos programas curriculares do Ensino Secundário.

Zeferino Coelho explicou à Lusa que, conforme os contratos de cada obra forem caducando, a Editorial Caminho deixará de poder reeditar as obras do Prémio Nobel da Literatura.

"Fã", como se afirmou, da obra do escritor, de quem era amigo, o facto de não se ter chegado a acordo foi, para o editor, "como se José Saramago tivesse morrido duas vezes".

O editor recordou o tempo em que "Saramago tinha muitos inimigos e a Editorial Caminho, dado o mérito da sua obra, acreditou nele como escritor e continuou a publicá-lo".

"Todo o mérito é da obra de José Saramago que é um bom escritor e tem muita qualidade, e eu acompanhei todo esse percurso e dá-me agora uma tristeza grande", disse, reconhecendo que Saramago "era um caso muito particular, dada a grande cumplicidade que havia".

Zeferino Coelho realçou ainda "a amizade que toda a gente na Editorial Caminho tinha com José Saramago, que era também amigo e generoso com toda essa gente".

Quando o autor de O Evangelho segundo Jesus Cristo ganhou o Nobel, em 1998, "dada a grande qualidade da sua obra, toda a gente na Caminho viveu isso com grande alegria e euforia", recordou.

Referindo-se ao futuro, Zeferino Coelho afirmou: "Vamos continuar a trabalhar e temos outros autores e tenho esse compromisso moral com eles".

Em declarações à Lusa, fonte da Fundação José Saramago, falando em nome das duas herdeiras do escritor, garantiu que a obra do escritor "não vai ficar sem editor em Portugal".

"Estamos à procura de uma nova editora", acrescentou.

José Saramago, falecido em junho de 2010 na ilha espanhola de Lanzarote, publicou praticamente toda a sua obra na Editorial Caminho, designadamente A Jangada de Pedra, Levantados do Chão, O Homem Duplicado, Ensaio sobre a Cegueira e o romance inicial Claraboia, editado postumamente, em 2011.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt